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Editorial - Pedro Pousada

O Diretor do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra e Investigador Integrado do CEIS20, Pedro Pousada, assina o Editorial da Newsletter de abril, acompanhando-o de uma obra da sua autoria no âmbito das celebrações dos 50 anos do 25 de Abril.
22 abril
© Pedro Pousada

A investigação em arte (em concreto a Art Based Research, ABR) é uma realidade formativa do Colégio das Artes e possui já um histórico de produção teórica; mas a experiência demonstra-nos que o conhecimento artístico que nasce do saber fazer e que regressa a esse saber fazer, transformando, problematizando e até superando as suas premissas adquire maior alcance ao agregar-se a outros campos disciplinares, interagindo, aprendendo e reformulando-se a partir deles. Nesse sentido é hoje inescapável para a investigação em arte, para a pesquisa a partir da prática, a interlocução com outros saberes que a capacitam a operar nos novos territórios da mediação e criação tecnológica, do questionamento da contemporaneidade a partir da abordagem pós-colonial, da desnaturalização decolonial das iconografias e modos de fazer hegemónicos do ocidente, do empoderamento racial como um novo ethos da criação plástica, da micropolítica como interface entre o ato artístico e a experiência da cidadania ativa, e das poéticas da imanência e da dissidência que decorrem destas temáticas e que geraram um novo paradigma metodológico e enunciativo da condição artística. Podemos pensar a investigação em arte como uma metacrítica da práxis artística que a tenta libertar dos seus lugares comuns, das suas ilusões sobre o dever ser da arte e que só o poderá fazer de uma forma duradoura e anti-escolástica ao ressignificar o modo como comunica com os campos disciplinares que lhe são tangentes ou mesmo distantes. O CEIS20 proporciona o ecossistema interdisciplinar onde os nossos docentes e investigadores, entre eles eu, conseguem concretizar essa dialogia.


© Obra original do artista Pedro Pousada no âmbito das celebrações dos 50 anos do 25 de Abril, gentilmente cedida para a Newsletter de abril do CEIS20.

Hoje, graças ao aporte interdisciplinar, podemos definir o ABR como uma operação simultaneamente analítica, uma operação que escolhe um objeto ou processo artístico por muito heteróclito e informe que possa ser e que desenvolve, ou propõe-se desenvolver, uma abordagem reflexiva do mesmo no sentido da sua fortuna crítica e epistemológica. E uma operação que é, ao mesmo tempo, relacional colocando o seu objeto em contexto com outros objetos, reposicionando no espaço-tempo histórico a sua singularidade e a sua materialidade, testando e problematizando a evidência visual, háptica, sensorial, do mesmo. O esforço de desambiguação próprio do método científico não funciona aqui, no ABR, como a promessa de um essencialismo hermenêutico- a chave explicativa do trabalho artístico e do seu futuro- nem de uma teoria da arte capaz de ser também uma prática da arte como sucedera no modernismo mas, como acontece no fluxo epistemológico da interdisciplinaridade, esse método ensina o artista que investiga através da prática a hesitar perante a perfomatividade das suas certezas criativas e a partilhar essa hesitação com outros saberes. Na impermanência e incerteza das categorias contemporâneas conseguimos mais facilmente olhar para a produção artística e para as suas periferias histórico-culturais fora de uma condição estática e estável: fluxo de imagens, fluxo de temporalidades, fluxo de "espaços praticados", fluxo de experiências de apropriação, de citação, de ressignificação, de autodescoberta ou de reinvenção, de questionamento, mas um repertório de fluxos que foge à sucessão cronológica e às hierarquias simbólicas (um repertório que de certo modo tenta desalinhar-se da estetização geopolítica da História da Arte, para parafrasearmos W.Benjamin) e que convive na simultaneidade mas sem deixar -se seduzir pelo sincretismo das equivalências (sempre num esforço para desrealizar a igualdade das práticas não no sentido da negação da alteridade mas no sentido de que não é possível, agora estou a pensar em Hal Foster e no seu "Against Pluralism", estar em todos os lugares, com todos os lugares, com todas as formas de existir e de se fazerem esses lugares; no fundo é necessário fazer escolhas, tomar uma posição, aceitar que a arte contemporânea, a arte dos presentes, do presente e do vivido (o passado) e do não vivido (o futuro, ou o passado que regressa no futuro) é como a vida para Baudelaire: lugar de horror e de êxtase, de comunhão e de profanação.

Pedro Pousada