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Investigação do CES-UC conclui que a pandemia contribuiu para intensificar as desigualdades estruturais na Academia

resultados do estudo FCT sobre os efeitos da pandemia no ensino, investigação e carreiras
6 abril, 2022
Investigação do CES-UC conclui que a pandemia contribuiu para intensificar as desigualdades estruturais na Academia
Investigação do CES-UC conclui que a pandemia contribuiu para intensificar as desigualdades estruturais na Academia
© ©engin akyurt @Unsplash

O Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (UC) acaba de divulgar os resultados do projeto de investigação Pandemia e Academia em casa - que efeitos no ensino, investigação e carreira? Estudo sobre as mudanças no sistema científico e de ensino superior, que teve como objetivo conhecer as estratégias de adaptação ao trabalho docente e de investigação sob a COVID-19, por instituições e pelos diferentes grupos que compõem o pessoal académico.

Os resultados do estudo empírico conduzido no âmbito deste projeto financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia – FCT (linha de financiamento excecional Research 4 COVID-19), em linha com as conclusões de outros estudos internacionais, demonstram que as transformações provocadas pela COVID-19 nas atividades de ensino e investigação em Portugal fizeram emergir novas fontes de desigualdades (ou agravaram as já existentes, mas ocultas ou subestimadas) entre mulheres e homens, e entre pessoas com agregados familiares de composição diferenciada.

Os resultados evidenciam, ainda, que as respostas dadas pelas instituições aos desafios impostos pela crise pandémica foram limitadas/insuficientes no propósito de amortecer os seus efeitos nas condições de trabalho e desempenho de docentes e investigadoras/es. As instituições do ensino superior e de investigação assumiram que a criação de condições de trabalho em regime remoto era um problema sobretudo individual, pouca atenção dando às dificuldades que cada pessoa que nelas ensina e/ou investiga enfrentava para acomodar as responsabilidades profissionais e familiares no contexto de trabalho a partir de casa. Realce-se que, por exemplo, cerca de 80% da amostra não tinha tido experiências prévias de ensino por meios virtuais, tendo abruptamente passado a lecionar de forma remota, sem qualquer preparação pedagógica ou mesmo técnico-científica. Depressa também se percebeu que as gerações de estudantes – que nasceram na chamada ‘era digital’ – pouco estavam preparadas para substituir a sala de aula pelos écrans, pela falta de autorregulação e de motivação para a aprendizagem, mas também, em muitos casos, por falta de meios tecnológicos e logísticos, nas suas habitações, para acompanharem as aulas.

As exigências impostas pela situação pandémica e pelos vários períodos de confinamento parece, assim, ter deixado entregues à sua sorte, ou à disponibilidade de recursos materiais e imateriais (exemplos: mobiliário de escritório, aparelhos tecnológicos, programas informáticos), docentes e discentes, mais ou menos apoiados pelas suas redes formais e informais de suporte. Os homens autodescreveram-se como mais capazes de, por si, resolver os problemas enfrentados e as mulheres tenderam a valorizar mais o apoio recebido por colegas e familiares. Houve ainda mais concordância, por parte das mulheres, com a afirmação de que a pandemia veio agravar as desigualdades já existentes entre estudantes, não explicadas por fatores económicos.

Os resultados apontam para o reforço das desigualdades de género na divisão do trabalho académico durante o período pandémico, assumindo as mulheres a maior parcela de esforço associada ao acréscimo das exigências materiais e emocionais de ensino/aprendizagem e serviço académico durante este período - constituindo aquilo que a literatura identifica como “trabalho doméstico académico”. Assim, 56,6% das mulheres reportaram aumento no tempo despendido no atendimento e acompanhamento de estudantes (em contraste com 45,8% dos homens) e em tarefas de gestão desempenhadas para as instituições durante a crise pandémica (47,7% versus 39,9%), atividades que, apesar de essenciais para o adequado funcionamento das organizações científicas, são geralmente subvalorizadas e invisibilizadas.

O estudo releva também o impacto do aumento das tarefas de cuidado/apoio escolar associadas à maternidade e à paternidade sobre o volume e organização do tempo disponível para o trabalho profissional. Um resultado particularmente saliente releva a situação de fragilidade do pessoal académico com crianças pequenas, em termos de possibilidades de dedicação de tempo ao trabalho profissional. Por exemplo, mulheres e pessoas com crianças pequenas reportaram com maior frequência insatisfação em relação ao seu desempenho científico: 1 em cada 5 das mulheres, face a 1 em cada 6 homens, e 1 em 4 pessoas com crianças pequenas, face a 1 em cada 5 pessoas sem crianças ao cuidado). As contingências associadas às medidas de contenção da pandemia contribuíram, assim, para criar/reforçar desigualdades entre pessoas com e sem crianças ao seu cuidado nas possibilidades de dedicação de tempo à esfera de trabalho profissional/académico, nas suas diversas vertentes.

O estudo também aponta para a maior severidade da pandemia na produtividade científica das mulheres, especialmente com crianças pequenas, expressando assim uma tendência de agudização da penalização da maternidade na academia no contexto pandémico.   


Na publicação“Pandemia e Academia em Casa - efeitos no ensino, na investigação e na cidadania académica sob uma perspetiva de género” (disponível online) apresentam-se detalhadamente os resultados do projeto, que foram sintetizados em quatro pequenos vídeos, que podem encontrar-se nas seguintes ligações:

1. O Projeto e as medidas institucionais de enfrentamento da COVID-19
2. Adaptação do ensino e da investigação durante a crise pandémica
3.Confinar e perecer? Impacto da crise pandémica no desempenho científico
4. A divisão sexual do trabalho doméstico e do trabalho doméstico académico durante a pandemia

Por fim, como forma de dar respostas aos múltiplos desafios enfrentados pela Academia na sequência da crise pandémica, e evidenciados pelo estudo, foi produzido o“Policy Brief: Propostas para uma Academia mais Igualitária no Pós-COVID-19”, no qual se propõe a implementação de um conjunto de 30 medidas, norteadas pelo objetivo de promover uma Academia mais igualitária no país.


Ficha técnica:

Este estudo baseou-se num Plano de Investigação Misto, operacionalizado com recurso a desk-research, um inquérito eletrónico (aplicado em março/abril de 2021), que originou 1.750 questionários validados, 4 entrevistas focalizadas de grupo, com um total de 31 participantes, e 7 entrevistas semiestruturadas a representantes de entidades relevantes para o sistema do ensino superior e científico nacional. A informação produzida através destas abordagens foi analisada com recurso a técnicas estatísticas descritivas e inferenciais e a análises de conteúdo temáticas.
 
Equipa:
Virgínia Ferreira (Coordenadora) - Investigadora do Centro de Estudos Sociais e Professora Associada da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
Cristina C. Vieira – Investigadora do Centro de Investigação em Educação de Adultos e Intervenção Comunitária da Universidade do Algarve e Professora Associada da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra.
Mónica Lopes – Investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.
Caynnã de Camargo Santos – Investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.
Com a colaboração de: Luísa Winter Pereira (Bolseira); Joana Teixeira Ferraz da Silva (Bolseira); Florbela Vitória (Estatista)
IN: https://www.ces.uc.pt/pt/agenda-noticias/destaques/2022/investigacao-do-ces-uc-conclui-que-a-pandemia